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domingo, 27 de maio de 2018

O samba no prato


Até a década de 1950, o samba batucado predominou como modo de executar o ritmo na bateria entre os bateristas da primeira geração. Músicos como Luciano Perrone, Sut, J. Tomás, Valfrido Silva entre outros, buscando “imitar” a batucada do instrumental da percussão, desenvolveram habilidosamente um jeito batucado de se tocar bateria entre os anos 1920 e 1950.


Vale lembrar que na primeira parte deste período, muitos kits de bateria ainda não eram contemplados com tons (ou surdo), chimbal (que veio a ser incorporado definitivamente no final dos anos 20), nem estante de caixa (era comum se usar uma cadeira como suporte). Além disso, o pedal (quando tinha) era pesado e nem todas as caixas possuíam esteira, sendo comum ouvirmos a chamada “caixa surda” em diversas gravações deste período. Tais restrições forçavam os bateristas a tocarem priorizando os tambores, economizando notas no bumbo e então constituindo uma matriz mais percussiva, batucada, que dialogava com a música e os recursos da época.


(Bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009)
Mas e o prato? Existia? Se usava?

De fato, o prato esteve presente (ao que tudo indica) desde os primeiros kits de bateria no Brasil. E sim: era utilizado antes dos anos 50, inclusive no samba, mas com finalidades mais pontuais, sem características de condução (até mesmo pelas limitações tecnológicas).

(Fixação do prato na bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009)

A partir de 1950, quando o Brasil é tomado por um ar de modernidade (refletido na política externa, na indústria, na rádio, no cinema, na música e etc.), e alguns kits de bateria (geralmente de orquestras) já se equipavam com pedais mais ágeis, estante de prato, peles sintéticas, entre outras novidades, dois bateristas são apontados como protagonistas na criação de um novo paradigma que ficou conhecido como “samba no prato” e que não somente mudaria a concepção musical dos bateristas brasileiros, mas também contribuiria na construção de novas formas para a “moderna” música brasileira: Edison Machado e Hildofredo Correa.

Edison Machado é frequentemente citado como o “inventor” do samba no prato. De fato, Edison foi o primeiro a registrar os novos padrões em gravação, nos álbuns da Turma da Gafieira de 1957. No entanto, muitos músicos que vivenciaram esta importante fase, atribuem ao baterista Hildofredo Correa o feito de pioneiro.

Deixando um pouco de lado a “patente” do “samba no prato”, é válido observar que esta nova concepção traria uma nova forma de a bateria se comunicar musicalmente com os demais instrumentos (na música brasileira), pois abriu caminhos para se tocar bateria melódica e harmonicamente, ou seja, desprendendo-se dos “moldes percussivos” (de incorporar toques e elementos da percussão).

Dadas as novas condições técnicas e estilísticas para a bateria brasileira, coube a bateristas como Milton Banana, Airto Moreira, Wilson das Neves, Dom Um Romão, entre tantos outros (além do próprio Edison Machado), darem continuidade ao desenvolvimento do samba no prato (sobretudo no contexto do samba-jazz e bossa-nova), constituindo principalmente duas matrizes que se tornaram padrões de execução do samba na bateria: O samba conduzido e o samba fraseado. Conheça abaixo, as principais características e referências de cada padrão:

  • ·        Samba fraseado: tem como característica a aplicação de variações do telecoteco (por exemplo) em vozes sobrepostas, ou seja, as duas mãos tocam em função de uma linha fraseada e não necessariamente conduzida (porém, com uma das mãos no prato).

Exemplo:



Baterista referência: Edison Machado

Edison Machado - Capa

  • ·        Samba conduzido: predomina a condução de quatro semicolcheias por tempo em uma voz (tocada nos pratos), enquanto outra voz desenvolve uma linha de fraseado (no aro da caixa, por exemplo). Cada voz é executada por mãos distintas.


Exemplo:



Baterista referência: Milton Banana


Milton Banana - Capa


Pra fechar nossa matéria, confira a seguir, uma seleção de 10 álbuns (organizada em ordem cronológica) que marcam diferentes fases e aplicações do samba no prato:



  • ·         Álbum: É samba novo (1964)

Baterista: Edison Machado

  • ·         Álbum: Dom Um (1964)

Baterista: Dom Um Romão

  • ·         Álbum: Sambalanço Trio (1964)

Baterista: Airto Moreira

  • ·         Álbum: Dois na Bossa (1965)

Baterista: Toninho Pinheiro

  • ·         Álbum: Zimbo Trio (1965)

Baterista: Rubinho Barsotti

  • ·         Álbum: Balançando com Milton Banana Trio (1966)

Baterista: Milton Banana

  • ·         Álbum: Elza Soares – Baterista: Wilson Das Neves (1968)

Baterista: Wilson Das Neves

  • ·         Álbum: Elis Regina Montreux Jazz Festival (1979)

Baterista: Paulo Braga

  • ·         Álbum: Fundo de Quintal convida (2004)

Baterista: Ademir Batera

  • ·         Álbum: Samba Jazz & outras bossas (2011)

Baterista: Tutty Moreno





Referências:
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

BARSALINI, Leandro. As Sínteses de Edson Machado: Um Estudo sobre os padrões de Samba na bateria. Campinas, Unicamp, 2009.

BARSALINI, Leandro. Modos de execução da bateria no samba. Campinas, Unicamp, 2014.

DAMASCENO, Alexandre. A batucada fantástica de Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés Gnattali. Campinas, Unicamp, 2016.

Rubinho Barsotti

Natural de São Paulo, nascido em 16 de outubro de 1932, Rubens Alberto Barsotti iniciou sua carreira musical dando canjas em casas noturnas...