Até a
década de 1950, o samba batucado predominou como modo de executar o ritmo na
bateria entre os bateristas da primeira geração. Músicos como Luciano Perrone,
Sut, J. Tomás, Valfrido Silva entre outros, buscando “imitar” a batucada do
instrumental da percussão, desenvolveram habilidosamente um jeito batucado de
se tocar bateria entre os anos 1920 e 1950.
Vale
lembrar que na primeira parte deste período, muitos kits de bateria ainda não
eram contemplados com tons (ou surdo), chimbal (que veio a ser incorporado
definitivamente no final dos anos 20), nem estante de caixa (era comum se usar
uma cadeira como suporte). Além disso, o pedal (quando tinha) era pesado e nem
todas as caixas possuíam esteira, sendo comum ouvirmos a chamada “caixa surda”
em diversas gravações deste período. Tais restrições forçavam os bateristas a
tocarem priorizando os tambores, economizando notas no bumbo e então
constituindo uma matriz mais percussiva, batucada, que dialogava com a música e
os recursos da época.
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(Bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009) |
Mas
e o prato? Existia? Se usava?
De
fato, o prato esteve presente (ao que tudo indica) desde os primeiros kits de
bateria no Brasil. E sim: era utilizado antes dos anos 50, inclusive no samba,
mas com finalidades mais pontuais, sem características de condução (até mesmo
pelas limitações tecnológicas).
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(Fixação do prato na bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009) |
A
partir de 1950, quando o Brasil é tomado por um ar de modernidade (refletido na
política externa, na indústria, na rádio, no cinema, na música e etc.), e
alguns kits de bateria (geralmente de orquestras) já se equipavam com pedais
mais ágeis, estante de prato, peles sintéticas, entre outras novidades, dois
bateristas são apontados como protagonistas na criação de um novo paradigma que
ficou conhecido como “samba no prato” e que não somente mudaria a concepção
musical dos bateristas brasileiros, mas também contribuiria na construção de
novas formas para a “moderna” música brasileira: Edison Machado e Hildofredo
Correa.
Edison Machado é
frequentemente citado como o “inventor” do samba no prato. De fato, Edison foi
o primeiro a registrar os novos padrões em gravação, nos álbuns da Turma da Gafieira de 1957. No
entanto, muitos músicos que vivenciaram esta importante fase, atribuem ao
baterista Hildofredo Correa o feito de pioneiro.
Deixando
um pouco de lado a “patente” do “samba no prato”, é válido observar que esta
nova concepção traria uma nova forma de a bateria se comunicar musicalmente com
os demais instrumentos (na música brasileira), pois abriu caminhos para se
tocar bateria melódica e harmonicamente, ou seja, desprendendo-se dos “moldes
percussivos” (de incorporar toques e elementos da percussão).
Dadas
as novas condições técnicas e estilísticas para a bateria brasileira, coube a
bateristas como Milton Banana, Airto Moreira, Wilson das Neves, Dom Um Romão, entre
tantos outros (além do próprio Edison Machado), darem continuidade ao desenvolvimento
do samba no prato (sobretudo no contexto do samba-jazz e bossa-nova), constituindo
principalmente duas matrizes que se tornaram padrões de execução do samba na
bateria: O samba conduzido e o samba fraseado. Conheça abaixo, as principais
características e referências de cada padrão:
- · Samba fraseado: tem como característica a aplicação de variações do telecoteco (por exemplo) em vozes sobrepostas, ou seja, as duas mãos tocam em função de uma linha fraseada e não necessariamente conduzida (porém, com uma das mãos no prato).
Exemplo:
Baterista
referência: Edison Machado
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Edison Machado - Capa |
- · Samba conduzido: predomina a condução de quatro semicolcheias por tempo em uma voz (tocada nos pratos), enquanto outra voz desenvolve uma linha de fraseado (no aro da caixa, por exemplo). Cada voz é executada por mãos distintas.
Exemplo:
Baterista
referência: Milton Banana
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Milton Banana - Capa |
Pra
fechar nossa matéria, confira a seguir, uma seleção de 10 álbuns (organizada em
ordem cronológica) que marcam diferentes fases e aplicações do samba no prato:
- · Álbum: É samba novo (1964)
Baterista:
Edison Machado
- · Álbum: Dom Um (1964)
Baterista:
Dom Um Romão
- · Álbum: Sambalanço Trio (1964)
Baterista:
Airto Moreira
- · Álbum: Dois na Bossa (1965)
Baterista:
Toninho Pinheiro
- · Álbum: Zimbo Trio (1965)
Baterista:
Rubinho Barsotti
- · Álbum: Balançando com Milton Banana Trio (1966)
Baterista:
Milton Banana
- · Álbum: Elza Soares – Baterista: Wilson Das Neves (1968)
Baterista:
Wilson Das Neves
- · Álbum: Elis Regina Montreux Jazz Festival (1979)
Baterista:
Paulo Braga
- · Álbum: Fundo de Quintal convida (2004)
Baterista:
Ademir Batera
- · Álbum: Samba Jazz & outras bossas (2011)
Baterista:
Tutty Moreno
Referências:
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular
Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural
Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
BARSALINI,
Leandro. As Sínteses de Edson Machado: Um Estudo sobre os padrões de Samba na
bateria. Campinas, Unicamp, 2009.
BARSALINI,
Leandro. Modos de execução da bateria no
samba. Campinas, Unicamp, 2014.
DAMASCENO, Alexandre. A batucada fantástica de Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés Gnattali. Campinas, Unicamp, 2016.