Página Inicial

segunda-feira, 26 de março de 2018

O samba batucado


É bem comum que hoje, quando nos deparamos com um baterista tocando samba, notamos uma predominância do uso de pratos (seja chimbal ou ride) na construção de sua levada, constituindo um samba mais “conduzido”. Mas se pensarmos que esta forma de tocar samba tornou-se padrão só a partir dos anos 50 (abordaremos isso na próxima matéria), logo nos perguntamos: E como se tocava samba na bateria nos anos 20, 30 e 40? Afinal, não se usava prato?

De fato, o prato esteve presente desde a chegada das primeiras baterias no Brasil (aproximadamente 1920), mas até a década de 50, seu uso se limitava a efeitos, pontuações de alguns trechos da música e não como um padrão de condução. O chimbal seria definitivamente incorporado um pouco mais tarde, no final dos anos 20. A caixa, nem sempre contava com esteira, sendo comum o uso da chamada “caixa surda”. Outro fator definidor no aspecto timbrístico deste período são as peles de couro animal que produziam som mais grave e profundo.


(Bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009)


Até os anos 20, o samba que tinha na figura de Donga, João da Baiana, Sinhô e Pixinguinha seus principais compositores, ainda soava maxixado, com a matriz rítmica 3 + 3 + 2 (duas colcheias pontuadas e uma colcheia).


Mas três importantes acontecimentos se destacam no percurso histórico-social que redefiniria as matrizes do samba:

  • ·       1927 – Início das gravações elétricas que possibilitaram maior captação de timbres e intensidades com microfones, fios, amplificadores e etc., sendo a partir daí, possível gravar vozes mais sutis ou maior instrumentação incluindo bateria e percussão. 

  • ·    1928 – Nascimento do bloco carnavalesco “Deixa Falar”, posteriormente reconhecida como primeira escola de samba. Contava com os bambas Bide, Marçal, Luna, Eliseu, Ismael Silva (entre outros) – moradores ou frequentadores do Estácio de Sá – responsáveis por introduzir surdo, cuíca, tamborim (entre outros instrumentos) no samba, o conferindo status de modernidade. 

  • ·    1929 – Gravação de “Na Pavuna”: Primeira gravação com percussão, já com os “novos” instrumentos, típicos da batucada de escola de samba. O sucesso da gravação contribui para a consolidação desse instrumental no samba, abrindo portas para a profissionalização de percussionistas (batuqueiros) dos morros.




Pouco a pouco, o samba urbano, tocado por batuqueiros da nova geração foi se instituindo como novo paradigma, mas bateristas como Luciano Perrone, atuaram exatamente no período histórico em que estes dois paradigmas de samba coexistiram. E foi buscando imitar a sonoridade do instrumental da percussão, que os bateristas da época desenvolveram o que chamamos de “samba batucado”, que predominou como modo de execução do samba na bateria até meados dos anos 50.

Finalmente, vamos conferir no que resultou a formação deste samba batucado na bateria, entrando em contato com a riqueza deixada pelos bateristas da primeira geração nesses 05 exemplos selecionados*:




  • ·       O feitiço virou samba (Gadé e Valfrido Silva – 1956) [ouça aqui]
    Baterista: Valfrido Silva (saiba mais)

  • ·       Batuque no morro (Russo do Pandeiro e Sá Roris - 1957) [ouça aqui]
    Baterista: Romeu

  • ·       Samba cruzado (Luciano Perrone – 1972)** [ouça aqui]
    Baterista: Luciano Perrone

*Vale notar que era comum se tocar a caixa surda com baqueta em uma das mãos enquanto a outra se encarregava de abafar a pele e variar os timbres, como nos atabaques. Outro detalhe está no bumbo, que por muito tempo era tocado em semínimas. Depois, bateristas como Sut (por exemplo) passaram a usar o “bumbo a dois”, que se afirmou como novo padrão, sendo utilizado até hoje.


**Por mais que o samba batucado tenha predominado nos anos 30, 40 e até 50, não podíamos deixar de selecionar esta faixa do disco de 1972 de Luciano Perrone onde o músico registra de forma quase didática, diferentes levadas de samba batucado (na bateria e percussão) incluindo o histórico samba cruzado.



Gostou? Comente com suas dúvidas, sugestões, opiniões e, se possível, compartilhe! Até a próxima!


Referências:

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

BARSALINI, Leandro. As Sínteses de Edson Machado: Um Estudo sobre os padrões de Samba na bateria. Campinas, Unicamp, 2009.

BARSALINI, Leandro. Modos de execução da bateria no samba. Campinas, Unicamp, 2014.

CABRAL, Sérgio. A MPB na era do Rádio. São Paulo: Moderna, 1996. – (Coleção Polêmica).

CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

DAMASCENO, Alexandre. A batucada fantástica de Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés Gnattali. Campinas, Unicamp, 2016.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917 – 1933). Zahar, 2001.

SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidades. São Paulo: Ed. 34, 2008.


quinta-feira, 1 de março de 2018

As primeiras gravações com bateria e percussão no Brasil

Pesquisar sobre determinados períodos ou artistas da música brasileira é lidar com uma série de dificuldades e contradições ocasionadas pela grande falta de registros e documentações. Mas com uma boa dose de interesse, cuidado e atenção, podemos achar uma boa bibliografia, uma vasta discografia – entre outras fontes – para então confrontar os dados e obter resultados satisfatórios na construção de novos conhecimentos. E é neste sentido que preparamos um breve estudo cronológico destacando importantes gravações em busca de contextualizar a bateria brasileira com a nossa música popular e com o desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira.


Vamos começar com dois momentos importantes que marcam o início da indústria fonográfica brasileira:


  • 1879 – Chegada do fonógrafo ao Brasil através de seu inventor Thomaz Edison.


(Thomas Edison ao lado de sua grande invenção, o fonógrafo / site: seuhistory.com)


  • 1900 – Inauguração da Casa Edison pelo empreendedor Fred Figner comercializando produtos como discos, cilindros e fonógrafos. 
(Casa Edison na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro / site: somshow.com.br/memoria/historia/a-casa-edison)


Agora sim, vamos às gravações:

  • 1902 – Primeira gravação musical com artista brasileiro.
Música: Isto é bom (ouça aqui)
Composição: Xisto Bahia
Interpretação: Baiano
Gênero indicado: Lundu

  • 1916 – Primeiro samba gravado*. 
Música: Pelo Telefone (ouça aqui)
Composição: Donga e Mauro de Almeida
Interpretação: Baiano
Gênero indicado: Samba


*Antes disso, outras músicas foram gravadas e indicadas como samba, mas Pelo telefone foi a primeira reconhecida como tal, e partir de seu lançamento, o samba assumiria o posto de principal gênero musical brasileiro.

  • 1927 – Primeiras gravações com bateria*

Música: Albertina (ouça aqui)
Composição: Antônio Lopes de Amorim Diniz
Interpretação: Francisco Alves
Acompanhamento: Orquestra Pan Americana do Cassino Copacabana (dirigida por Simon Bountman)
Baterista: Aristides Prazeres (ou Luciano Perrone)**
Gênero indicado: Marcha
Disco: Odeon 10.001/A - Matriz 1162***

*A partir de 1927 foi iniciado o sistema elétrico de gravação, pela Odeon no Rio de Janeiro. O novo processo de gravação, que passaria a substituir a fase de gravações acústicas, dispunha de microfones, fios e amplificadores, possibilitando a captação de outras frequências sonoras (até então não captadas), podendo gravar mais instrumentos e favorecendo novas formas de interpretação vocal.

**Alguns pesquisadores afirmam que o primeiro baterista a gravar teria sido Luciano Perrone, que integrou a Orquestra Pan Americana. Porém, para Jairo Severiano (2008) quem ocupava as baquetas da orquestra em 1927 era Aristides Prazeres.

***Este foi o primeiro disco elétrico a ser lançado no Brasil, porém não foi o primeiro a ser gravado. O primeiro, lançado com o nº 10.006 (ouça aqui) seria de Carlos Serra (mas ainda sem o acompanhamento de bateria ou percussão).

  • 1929 – Primeira gravação com percussão (característica do samba)*
Música: Na Pavuna (ouça aqui)
Composição: Almirante e Candoca de Anunciação
Interpretação: Almirante e Bando de Tangarás**
Acompanhamento: Carolina Cardoso de Menezes (piano), Luperce Miranda (bandolim) e percussionistas anônimos.
Gênero indicado: Choro de rua
Disco: Parlophon 13089 A (matriz 3179)

*Gravado em 30 de novembro de 1929, lançado em janeiro de 1930 e grande sucesso no carnaval do mesmo ano, Na Pavuna registra a primeira gravação com surdo, tamborim e pandeiro (instrumental percussiva característica do samba).

**Grupo formado por Almirante, Noel Rosa, Alvinho, Braguinha (João de Barro) e Henrique Brito.


  • 1931 – Primeiro solo de bateria gravado no Brasil*
Música: Faceira (ouça aqui)
Composição: Ary Barroso
Interpretação: Sílvio Caldas
Acompanhamento: Orquestra RCA Victor / Arranjo: Pixinguinha
Baterista: Luciano Perrone
Gênero indicado: Samba

*Entende-se como solo de bateria, estes pequenos espaços de dois compassos onde o instrumento se destaca. Esta foi a primeira gravação a evidenciar a bateria.


  • 1934 – Primeira gravação que concedeu a um baterista o feito de ter seu nome registrado em disco*

Música: Preludiando (ouça aqui)
Composição: Carolina Cardoso de Menezes
Interpretação: Carolina Cardoso de Menezes (ao piano)
Baterista: Valfrido Silva**
Gênero indicado: Fox-blue

*Neste período os discos indicavam somente intérprete, compositor e o nome do grupo que acompanhava (na parte instrumental), mas não especificava detalhadamente cada músico que atuou na gravação. Como nesta faixa o único acompanhante foi o baterista – sendo gravada a piano e bateria – o disco ficou com o seguinte registro: “Solo de piano por Carolina Cardoso Menezes com Walfrido na bateria”.

**O nome do baterista é frequentemente encontrado em registros como “Walfrido”. Se você encontrar este nome em autorias de músicas gravadas por Carmen Miranda, por exemplo, não tenha dúvidas: trata-se de Valfrido Pereira da Silva (baterista e compositor).

...

Vale ressaltar que o período abordado nesta matéria corresponde com a primeira fase da bateria brasileira, ou seja, aos bateristas da primeira geração onde predominou o que chamamos de “samba batucado”.

E aí? O que achou?

Envie suas dúvidas, comentários e sugestões. Não deixe de compartilhar, interagir e acompanhar nossa jornada musical pela história e desenvolvimento do nosso instrumento. Até a próxima!





Referências:

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

BARSALINI, Leandro. As Sínteses de Edson Machado: Um Estudo sobre os padrões de Samba na bateria. Campinas, Unicamp, 2009.

BARSALINI, Leandro. Modos de execução da bateria no samba. Campinas, Unicamp, 2014.

CABRAL, Sérgio. A MPB na era do Rádio. São Paulo: Moderna, 1996. – (Coleção Polêmica).

CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

CABRAL, Sérgio. No tempo de Ary Barroso. Editora Lazuli LTDA, 2016.

DAMASCENO, Alexandre. A batucada fantástica de Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés Gnattali. Campinas, Unicamp, 2016.

SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2008.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

Rubinho Barsotti

Natural de São Paulo, nascido em 16 de outubro de 1932, Rubens Alberto Barsotti iniciou sua carreira musical dando canjas em casas noturnas...