É bem comum que hoje, quando
nos deparamos com um baterista tocando samba, notamos uma predominância do uso
de pratos (seja chimbal ou ride) na construção de sua levada, constituindo um
samba mais “conduzido”. Mas se pensarmos que esta forma de tocar samba
tornou-se padrão só a partir dos anos 50 (abordaremos isso na próxima matéria),
logo nos perguntamos: E como se tocava samba na bateria nos anos 20, 30 e 40?
Afinal, não se usava prato?
De fato, o prato esteve
presente desde a chegada das primeiras baterias no Brasil (aproximadamente
1920), mas até a década de 50, seu uso se limitava a efeitos, pontuações de
alguns trechos da música e não como um padrão de condução. O chimbal seria
definitivamente incorporado um pouco mais tarde, no final dos anos 20. A caixa,
nem sempre contava com esteira, sendo comum o uso da chamada “caixa surda”.
Outro fator definidor no aspecto timbrístico deste período são as peles de
couro animal que produziam som mais grave e profundo.
(Bateria Gaeta exposta no Museu Oswaldo Russomano, em Bragança Paulista – SP. Fonte: Barsalini, 2009) |
Até os anos 20, o samba que
tinha na figura de Donga, João da Baiana, Sinhô e Pixinguinha seus principais
compositores, ainda soava maxixado, com a matriz rítmica 3 + 3 + 2 (duas
colcheias pontuadas e uma colcheia).
Mas três importantes
acontecimentos se destacam no percurso histórico-social que redefiniria as
matrizes do samba:
- · 1927 – Início das gravações elétricas que possibilitaram maior captação de timbres e intensidades com microfones, fios, amplificadores e etc., sendo a partir daí, possível gravar vozes mais sutis ou maior instrumentação incluindo bateria e percussão.
- · 1928 – Nascimento do bloco carnavalesco “Deixa Falar”, posteriormente reconhecida como primeira escola de samba. Contava com os bambas Bide, Marçal, Luna, Eliseu, Ismael Silva (entre outros) – moradores ou frequentadores do Estácio de Sá – responsáveis por introduzir surdo, cuíca, tamborim (entre outros instrumentos) no samba, o conferindo status de modernidade.
- · 1929 – Gravação de “Na Pavuna”: Primeira gravação com percussão, já com os “novos” instrumentos, típicos da batucada de escola de samba. O sucesso da gravação contribui para a consolidação desse instrumental no samba, abrindo portas para a profissionalização de percussionistas (batuqueiros) dos morros.
Pouco a pouco, o samba
urbano, tocado por batuqueiros da nova geração foi se instituindo como novo
paradigma, mas bateristas como Luciano Perrone, atuaram exatamente no período
histórico em que estes dois paradigmas de samba coexistiram. E foi buscando
imitar a sonoridade do instrumental da percussão, que os bateristas da época desenvolveram
o que chamamos de “samba batucado”, que predominou como modo de execução do
samba na bateria até meados dos anos 50.
Finalmente, vamos
conferir no que resultou a formação deste samba batucado na bateria, entrando
em contato com a riqueza deixada pelos bateristas da primeira geração nesses 05
exemplos selecionados*:
- · Faceira (Silvio Caldas - 1931) [ouça aqui]
Baterista: Luciano Perrone (saiba mais)
- · Concerto de bateria (Pixinguinha - 1947) [ouça aqui]
Baterista: Sut (saiba mais)
- · O feitiço virou samba (Gadé e Valfrido Silva
– 1956) [ouça aqui]
Baterista: Valfrido Silva (saiba mais) - · Batuque no morro (Russo do Pandeiro e Sá
Roris - 1957) [ouça aqui]
Baterista: Romeu
- · Samba cruzado (Luciano Perrone – 1972)** [ouça aqui]
Baterista: Luciano Perrone
*Vale
notar que era comum se tocar a caixa surda com baqueta em uma das mãos enquanto
a outra se encarregava de abafar a pele e variar os timbres, como nos
atabaques. Outro detalhe está no bumbo, que por muito tempo era tocado em
semínimas. Depois, bateristas como Sut (por exemplo) passaram a usar o “bumbo a
dois”, que se afirmou como novo padrão, sendo utilizado até hoje.
**Por
mais que o samba batucado tenha predominado nos anos 30, 40 e até 50, não podíamos
deixar de selecionar esta faixa do disco de 1972 de Luciano Perrone onde o
músico registra de forma quase didática, diferentes levadas de samba batucado (na
bateria e percussão) incluindo o histórico samba cruzado.
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a próxima!
Referências:
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular
Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural
Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
BARSALINI,
Leandro. As Sínteses de Edson Machado: Um Estudo sobre os padrões de Samba na
bateria. Campinas, Unicamp, 2009.
BARSALINI,
Leandro. Modos de execução da bateria no
samba. Campinas, Unicamp, 2014.
CABRAL,
Sérgio. A MPB na era do Rádio. São
Paulo: Moderna, 1996. – (Coleção Polêmica).
CABRAL,
Sérgio. As escolas de samba do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
DAMASCENO,
Alexandre. A batucada fantástica de
Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés
Gnattali. Campinas, Unicamp, 2016.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917 – 1933). Zahar, 2001.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917 – 1933). Zahar, 2001.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da
música popular brasileira: das origens à modernidades. São Paulo: Ed. 34,
2008.